top of page

Introdução a montagem no cinema ... Parte 2

  • CRISTIANA PARENTE
  • 5 de nov. de 2017
  • 8 min de leitura

Com o surgimento do cinema moderno e soviético, a crítica a decupagem clássica faz-se pelo seu aspecto manipulador e pela sua articulação com a criação de um mundo imaginário que aliena o espectador da realidade. E assim vão surgir novas estilísticas de formas de montagem de realização de filmes, e suas teorias para ir ao encontro desta ação naturalista do cinema americano principalmente.

Para Kracauer, a revelação cinematográfica corresponde a uma leitura do livro da natureza, devendo estabelecer uma realidade penetrada, no cinema realista revelatório.

Para Bazin, a montagem é proibida, pois ela retira do filme a realidade, pois a realidade, a verdade é feita de ambiguidade, e assim a montagem vai desvirtuar esta ambiguidade. Os planos, cenas e a decupagem deve seguir esta realidade ambígua.

Mas a mesma fé na transparência congênita da imagem cinematográfica, articulada a ideia de que é preciso abraçar a realidade do momento sem totalizações ideológicas será retomada de modo crescente à medida que avançamos na década de 50.

Para entender Bazin é preciso que se tenha clara esta admissão essencial: o cinema não fornece apenas uma imagem (aparência) do real, mas é capaz de constituir um mundo à imagem do real. A sutil diferença entre dize que algo é uma “imagem de”, e dizer que algo é “feito à imagem de”, nos fornece um exemplo dos inúmeros jogos de palavras que tornam a leitura de Bazin fácil apenas na sua aparência.

Assim a decupagem clássica será criticada no nível prático, através de uma quase-negação da eficiência do seu ilusionismo. E assim ele vai defender o cinema da transparência.

Já em Eisenstein que vem propor uma série de tipologias de montagens, e que vai da montagem das atrações a montagem intelectual, um novo método emerge – montagem livre de efeitos independentes, arbitrariamente selecionados (fora dos limites) da composição dada e das ligações entre as personagens advindas da estória, livre, mas não sem uma visão que estabelece um certo efeito temático final - que seria a montagem das atrações.

Eisenstein irá manipular as imagens. As cenas ficariam inseridas num conjunto onde a hierarquia “fatos essenciais mais ornamento de encenação” não teria lugar, sendo substituída por uma apresentação de estímulos não amarrados à intriga do texto. Tais estímulos seriam combinados de modo a produzir os efeitos emocionais e os “impactos” necessários para tornar claros a significação e os valores propostos pelo espetáculo.

Eisenstein ainda vai trazer algumas ideias de outras montagens como - prática de uma disjunção, ou a montagem discursiva – que não mostra apenas o fato naturalissimamente, mas em sua continuidade procura criar um espaço-tempo próprio, descontínuo, capaz de fazer aquele instante e daquele fato algo em que nosso olhar de detém para seguir direções de eventos simultâneos, com sua significação social, pela composição não natural que a montagem oferece.

Para tal passagem para uma nova qualidade seja claramente proposta para o espectador, é preciso que o filme no seu conjunto subverta a relação normal de fruição que este estabelece como cinema clássico. A assim ele vai criar a teoria do cinema da dialética. Onde o paradigma – como operação por excelência – do processo é o pensamento e a ideologia para o espectador experimentar.

Fundamentos psicológicos da montagem

Podemos admitir que a sucessão dos planos de um filme funda-se no olhar e no pensamento (na tensão mental) já que o olhar é apenas a exteriorização exploradora do pensamento dos personagens ou do espectador.

Sendo nos dado um personagem que aparece num plano, o plano seguinte poderá mostrar:

  • o que ele vê real e presentemente;

  • o que ele pensa, o que ele faz surgir na imaginação ou na sua memória

  • o que ele procura ver, aquilo para qual ele se volta mentalmente

  • alguma coisa ou alguém que está fora de sua visão, de sua consciência ou de sua memória, mas que lhe concerne de alguma forma.

Funções criadoras da montagem

Criação do movimento:

  • Recordemos aqui que a montagem é criadora do movimento em sentido lato, ou seja, da animação, e da aparência da vida, sendo esta exatamente, a função primeira, histórica e estética do cinematográfico. Cada uma das imagens de um filme mostra um aspecto estático dos seres e das coisas, e sua sucessão que recria o movimento da vida.

Criação do Ritmo:

  • O movimento é a animação, a sucessão. O deslocamento do tempo e do espaço. O ritmo nasce da sucessão de planos conforme suas relações de duração e de tamanho. O ritmo, portanto, é uma questão de distribuição métrica e plástica: um filme que predomina planos curtos ou os primeiros planos terá ritmo mais acelerado, já um que comece com panorama e planos mais longos, terá uma dimensão mais lenta.

Criação da ideia:

  • É a função mais importante da montagem, ao menos quando tem um objetivo expressivo e não apenas descritivo. Consistem em tomar elementos diferentes da massa do real e fazer brotar um sentido novo de seu confronto.

TIPOS DE MONTAGENS

Vejamos alguns exemplos, sem dar nomenclatura a uma forma sistemática, enumera, Bela Balazs, um certo número de tipos de montagem:

  • montagem ideológica (criadora da ideia)

  • montagem metafórica (exemplo: planos de maquinas e rostos de marinheiros em o Encouraçado Potenkin)

  • montagem poética

  • montagem alegórica (planos de mar em A noite de São Silvestre – de Lupi Pick)

  • montagem intelectual (a estátua que se ergue de novo sobre o pedestal em Outubro de Einsenstei)

  • montagem ritmica (musicais)

  • montagem subjetiva (câmera usada na primeira pessoa)

Já Pudovkin oferece uma lista mais sistemática:

  • montagem de contraste

  • montagem de paralelismo

  • montagem de simbolismo

  • montagem de sincronismo

  • montagem de leitmotiv

Mas para Marcel Martin, a melhor forma pertence a de Eisenstein, por que dá conta das mais simples até as mais complexas montagens:

  • montagem métrica (ou motor primário, análoga a métrica musical e baseada na duração dos planos);

  • montagem rítmica (emotiva primária, baseada na duração dos planos e no movimento de cena);

  • montagem tonal (ou emotiva-melódica, baseada na ressonância emocional do plano);

  • montagem harmônica (ou afetiva-polifônica, baseada na dominante afetiva, tendo em vista a totalidade do filme);

  • montagem intelectual (ou afetiva-intelectual, combinação de ressonância intelectual e dominante afetiva, tendo em vista a consciência reflexa).

Posto isto Marcel Martin reúne todas em três das mais importantes que fazem a síntese de todas:

  • Montagem Rítmica, montagem ideológica e montagem narrativa, além da montagem expressiva, que Martin adiciona na lista das categorias que para ele são mais significativas.

CLASSIFICAÇÃO DOS ESTILOS DE MONTAGENS DE SERGEI EISENSTEIN

Montagem Métrica

A Montagem métrica refere-se à duração de cada plano. Independentemente de seu conteúdo, encurtar planos diminui o tempo que o público tem para absorver a informação de cada um deles. Esse procedimento aumenta a tensão da cena. O uso de planos próximos cria sequencias mais intensa.

Montagem Rítmica

A montagem rítmica relaciona-se à continuidade visual entre planos. A continuidade baseada na ação e nas entradas e saídas do quadro são exemplos da montagem rítmica. Esse tipo de procedimento tem considerável potencial para demonstrar conflitos porque a oposição de forças pode ser representada por diferentes direções dos elementos no quadro, assim como por diferentes enquadramentos de uma mesma imagem. Exemplo. Escadaria de Odessa, em O Encouraçado Potemkin de Einsenstei.

Montagem tonal

Na montagem tonal, as decisões da montagem buscam estabelecer uma característica emocional da cena, o que pode mudar durante a sequência. O tom ou o modo é usado como guia para interpretar a montagem tonal, e, embora a teoria pareça um tanto intelectual, ela não é diferente da definição de Ingmar Bergman de que montar é como fazer uma música, compor a emoção de diferentes cenas. As emoções mudam, logo, deve mudar também o tom da cena.

Montagem atonal

A montagem atonal conjuga as montagens métricas, rítmicas e tonal, manipulando o tempo do plano, ideias e emoções a fim de conquistar o efeito desejado na plateia.

Montagem intelectual

A montagem intelectual trata da inserção de ideias em uma sequência de grande carga emocional. Um exemplo da montagem intelectual é encontrado em no filme Outubro – onde o líder sobe as escadas tão rapidamente quanto sobe na linha de poder após a queda do czar. Intercalados com as imagens de sua ascensão, há planos de um pavão mecânico ajeitando suas penas.

OUTRAS TIPOLOGIAS DE MONTAGEM NOS PRIMÓRDIOS DO CINEMA

Dziga Vertov – o experimento do realismo – Homem Câmera.

O experimento do cinema-olho pretende criar o verdadeiro filme-linguagem, escrita absoluta no filme e a completa separação do cinema em relação ao teatro e a literatura. “Um homem com uma câmera” é um filme que conta a história de um dia na vida de um operador de câmera. Vertov lembra repetidamente a artificialidade e o não realismo do cinema. Consequentemente, a manipulação e todos os elementos técnicos do filme fazem parte de uma auto-reflexividade.

Alexander Dovzhenko : montagem pela associação visual

Em seu conceito sobre a montagem intelectual, Eisenstein associava livremente duas imagens para comunicar uma ideia sobre a pessoa, uma classe, ou um evento histórico. Sua liberdade era simular a de Vertov, brincar com o choque entre realidade e ilusão. Já Alexander Dovzhenko não tinha como objetivo nem a narrativa ficcional nem o documentário. Seu filme “Terra” é mais definido como um poema visual. “Terra” trata da continuidade entre a vida e a morte. Todas as imagens são apresentadas de forma independente, e não há continuidade (raccord) aparente. Gradualmente a associação visual constrói padrões da força e da tranquilidade camponesa. A montagem é dirigida pela associação visual, mais do que pela continuidade (raccord) clássica. A ausência de continuidade é confusa, mas emerge gradualmente, uma diferente forma de montagem.

Luis Buñuel: descontinuidade visual

Buñuel considerava o uso da montagem dialética e do contraponto, em que uma determinada imagem estabelece contraste em relação a outra, um forte princípio operacional. Em Cão Andaluz, ele estava interessado em fazer filmes que destruíssem o sentido, disseminassem o choque ocasional. O filme tornou-se famoso pelo que ele representa, um choque de imagens dirigido ao inconsciente da plateia. A importância do filme é que ele representa um grande assincronismo baseado na dissociação visual mais do que nas regras clássicas de continuidade (raccord), com possibilidades de criar, perturbar, roubar o sentido, minar a segurança do conhecido.

Vamos apresentar de forma mais detalhada, a classificação da montagem, feita por Vicent Amiel, que atualiza as teorias desta área do cinema, publicado em 2007.

De forma sintética, podemos dizer que ele subdivide os estilos de montagem é três categorias, sendo elas, separados por três estilos de cinema: o cinema clássico, o cinema moderno e o cinema contemporâneo.

É importante lembrar que um filme não é composto por uma única estilística de corte. Em sua maioria, todos apresentam pelo menos duas tipologias.

A noção de planificação é extremamente importante para constituição da montagem. Amiel categoriza três montagens: montagem narrativa (cinema clássico), montagem discursiva (cinema moderno) e montagem de correspondências (cinema contemporâneo). Veremos estas três categorias no próximo artigo.

IDEIA DE CONTINUIDADE (RACCORD) NA MONTAGEM FÍLMICA

A ideia de continuidade é ponto importante nos estilos de montagens, descritos acima. Concretamente essa impressão de continuidade e de homogeneidade é obtida por um trabalho formal, que caracteriza o período da história do cinema que muitas vezes chamamos de cinema clássico – cuja figura mais representativa é a noção do raccord.

O raccord decorre das experiências de décadas dos montadores do cinema, com a finalidade de provocar uma continuidade no corte entre planos e cenas, de maneira que a elipse da montagem, do espaço-tempo, sejam transparente, ou invisíveis. O espectador não percebe este salto de tempo-espaço.

A linguagem clássica determinou um grande número de figuras de raccord – elementos de continuidade para dar sentido ao filme e sua narrativa, onde em cada corte o montador do cinema tenta preservar este sentido de espaço-tempo no filme narrativo clássico, principalmente na montagem narrativa. Os principais raccord (elementos de continuidade) são:

  • o raccord sobre um olhar: um primeiro plano mostra-nos um personagem que olha algo (em geral fora do quadro), o plano seguinte mostra o objeto desse olhar (que pode, por sua vez, ser um outro personagem olhado o primeiro: tem-se então o que se chama de plano/contraplano.)

  • o raccord de movimento: um movimento que, no primeiro plano, é dotado de velocidade e de uma determinada direção vai ser repetido no plano seguinte (sem que o suporte dos dois movimentos seja forçosamente o mesmo objeto diegético), com uma direção idêntica e uma velocidade comparável.

  • O raccord de um gesto: um gesto feito por um personagem começa no primeiro plano, termina no seguinte (com mudança de ponto de vista), uma mão na maçaneta, por exemplo.

  • O raccord de eixo: dois momentos sucessivos (eventualmente separados por uma leve elipse temporal) de um mesmo evento são tratado em dois planos, o segundo sendo seguindo a mesma direção, mas tendo a câmera se aproximado ou afastado com relação ao primeiro.

Essa lista está longe de ser exaustiva: permite, contudo, constatar que o raccord pode funcionar colocando em jogo tanto elementos puramente formais (movimento quanto elementos plenamente diegéticos).

Comments


Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square

© 2023 por NYZ Produções . Orgulhosamente criado com Wix.com

  • w-facebook
  • shape-vimeo-invert.png
  • Twitter Clean
bottom of page