Introdução a montagem no cinema. Parte 1
- CRISTIANA PARENTE
- 2 de nov. de 2017
- 7 min de leitura
De acordo com Ismail Xavier, em seu livro O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência, classicamente, costumou-se dizer que um filme é constituído de sequências – unidades menores dentro dele, marcadas por sua função dramática e/ou pela sua posição na narrativa. Digamos desde já que a montagem é a organização dos planos de um filme em certas condições de ordem e de duração.
Partindo daí, definamos por enquanto decupagem como processo de decomposição do filme (em sequências e cenas) em planos. O plano corresponde a cada tomada de cena, ou seja, a extensão de filme compreendida entre dois cortes, o que significa dizer que o plano é um segmento continuo da imagem.
O fato de que o plano corresponde a um determinado ponto de vista em relação ao objeto filmado (quando a relação da câmera-objeto é fixa), sugere um segundo sentido para termos que passar a designar a posição particular da câmera (distância e ângulo) em relação ao objeto.
Daí teremos os planos: plano geral, plano médio ou de conjunto, plano americano, primeiro plano, close-up, detalhe, entre outros. Quanto aos ângulos, considera-se em geral o ponto de vista normal quando a câmera está na altura dos olhos do observador médio. Temos assim também a câmera alta e câmera baixa.
A montagem constitui o fundamento mais especifico da linguagem fílmica, e uma definição de cinema não poderia passar sem a palavra montagem. É a organização dos planos de um filme em certas condições de ordem e duração e ritmo.
No início do cinema, que era filmado como um teatro, a construção adotada seria a de filmar num só plano um conjunto a primeira cena e só cortar no momento para outro espaço. O corte estaria aí justificado pela mudança de cena, e a imediata sucessão, sem perda de ritmo, estaria justamente possibilitada pelo corte. Teríamos uma montagem elementar em que a descontinuidade espaço-temporal no nível diegético motiva e solicita o corte.
A montagem só vem quando a descontinuidade é indispensável para a representação dos eventos separados no espaço e no tempo, não se violando a integridade de cada cena em particular. A plateia aceita esta sucessão não natural imediata de imagem como convenção da representação dramática perfeitamente assimilada. Tal convergência redime o salto (elipse), que permanece aceitável e natural porque a descontinuidade temporal é diluída numa continuidade lógica.
A filmagem é o lugar privilegiado da descontinuidade, da repetição, da desordem e de tudo aquilo que pode ser dissolvido, transformado ou eliminando na montagem. A decupagem é uma operação analítica, e a montagem, uma operação sintética, mas seria mais correto firmar que uma e outra são as duas faces da mesma operação. A descoberta da elipse representou um passo importante no progresso da linguagem cinematográfica.
A Elipse
O princípio do cinema é sugerir, e é uma arte da elipse. Capaz de mostrar tudo e conhecendo o formidável teor da realidade que impregna tudo o que aparece na tela, o cineasta pode recorrer à alusão e fazer-se entender com meias palavras ou imagens descontinuas.
Do ponto de vista do enredo dramático, essa operação – recebe o nome de decupagem, e a elipse é seu aspecto fundamental. A noção de decupagem entra na forma das elipses, e da montagem, que representa seu aspecto complementar (em última instância, a montagem não é a mais que uma pura técnica de acoplamento, desde que a decupagem tenha sido feita com precisão suficiente. Martin.
A decupagem consistem em escolher os fragmentos de realidade que serão criados pela câmera. Num nível mais elementar, traduz-se pela supressão de todos os tempos fracos e inúteis de uma ação. Se quisermos mostrar um personagem deixando seu escritório para ir para casa , faremos uma ligação no movimento do fome fechando a porta do escritório e em seguida abrindo a porta da sua casa, com a condição naturalmente, de que não se passe nada de importante para ação durante o trajeto: como tudo o que vemos na tela deve ser significativo, não se irá mostrar o que não é , a menos que por razões precisas do diretor queira dar uma impressão de lentidão, ociosidade, tédio, as vezes de inquietação.
Ao lado dessas elipses inerentes a obra de arte, há outras que eu chamaria de expressivas, porque visam um efeito dramático ou porque são acompanhadas geralmente de uma significação simbólica.
MONTAGEM CLÁSSICA E EXPRESSIVA
Vamos tratar da montagem narrativa (Clássica) e da montagem expressiva. Chamo de montagem narrativa o aspecto mais simples e imediato da montagem, que consiste em reunir, numa sequência lógica ou cronológica e tendo em vista contar uma história (diegese), planos que possuam individualmente um conteúdo factual, e contribui assim para que a ação progrida do ponto de vista dramático, segundo um sentido de causalidade e psicológicos.
Temos também a montagem expressiva, baseada na justaposição de planos cujo objetivo é produzir um efeito direto e preciso pelo choque de duas imagens; neste caso, a montagem busca imprimir por si mesma um sentimento ou uma ideia, já não é mais um meio, mas um fim. Longe de ter como ideal apagar-se diante da continuidade, facilitando ao máximo as ligações de um plano a outro, procura, ao contrário, produzir constantemente efeitos de ruptura no pensamento do espectador, faze-lo saltar intelectualmente para que seja mais viva nele a influência de uma ideia expressa pelo diretor e traduzida pelo confronto dos planos.
A montagem narrativa pode se reduzir ao mínimo necessário. Por exemplo, em festim diabólico, Hitchcock levou a simplificação da montagem a um grau insuperável, já que o filme comporta apenas um único plano por rolo, do ponto de vista do espectador, sendo a junção dos rolos quase imperceptível. Um filme normalmente tem 500 a 700 planos.
O frenesi da montagem expressiva chegava às vezes ao delírio, filmes como Vostaniieribakov, cinema mudo. Revolta dos pescadores. Já para outros, temos filmes com mais de 2000 planos, com a montagem impressionista: o diretor procurava transmitir ao espectador impressões penetrantes recorrendo a montagem ultrarrápida – “Fúria”. Está relacionada com a estética do cinema mudo.
Na classificação de Marcel Martin, a maioria dos casos uma montagem normal por ser considerada caracteristicamente narrativa, já a montagem muito rápida ou muito lenta é antes de tudo uma montagem expressiva, pois o ritmo da montagem desempenha então um papel diretamente psicológico. Mas não há separação nítida entre os dois tipos de montagem ainda que narrativo, mas já possuem valor expressivo: é o caso de muitos exemplos citados sobre ligações e metáforas.
Conforme as câmeras foram ficando leves, e o diretor poderia recortar as cenas em planos a montagem começou a se desenvolver, para juntar estes planos em cenas e depois em sequências.
CINEMA CLÁSSICO
Temos no cinema clássico os primeiros exemplos de montagem alternada. O grande roubo de trem. Daí começamos com a montagem narrativa no estilo da montagem alternada entre o bandido e o mocinho.
Já para Ismael Xavier, a montagem alternada, focalizando acontecimentos simultâneos, cujo modelo clássico é a montagem de perseguição. Desde os primeiros anos de século este foi um procedimento capital nas narrativas de aventuras, dada a carga de emoções que caracterizam os desfechos na base da corrida do tempo. Nese exemplo, temos um tipo de situação que solicita uma montagem que estabeleça uma sucessão temporal de planos correspondentes a duas ações que ocorrem em espaços diferentes, com grau de contiguidade que pode ser variável.
As imagens estão definitivamente separadas, e na passagem, temos o salto: mas a combinação é feia de tal modo que os fatos representados parecem fluir por si mesmos, consistente.
Ao passar do tempo esta montagem foi se acelerando, no cinema de ação atual, quase ao ponto de virar um clip de perseguição e de alternância. Não deixou de se usar esta montagem, seja chamada de paralela ou alternada, para o cinema ainda que hoje se produz cinema com estas características. Aumentando o efeito de ação ou imagens mais lentas, aumentando o efeito de suspense e de expectativa.
Para alguns teóricos, a montagem paralela é diferente da alternada. A alternada mostra dois protagonistas, no mesmo tempo, em espaços diferentes, atuando suas ações e a montagem paralela é uma montagem que busca dar um sentido simbólico, reunindo planos diferentes, onde o espectador vai dar sentido a esta colagem.
Uma variante mais elaborada incluía a colocação de algo, obstáculo ou pessoa, a alguns metros da câmera e na trilha do protagonista, de modo a criar uma antecipação do efeito através da expectativa iminente a colisão.
Ao longo do tempo apareceram os planos de panorâmica e travellings. De todo modo os mesmo fatores são responsáveis pela naturalidade da montagem que liga duas cenas desenvolvidas em espaços diferentes, e posteriormente, em alguns filmes, em tempos diferentes, criando outro tipo de montagem. A opacidade da cena onde o espectador teria que criar sua própria montagem.
A ideia da montagem clássica é tornar a montagem invisível, sem que espectador perceba que há cortes entre planos, cenas e sequências.
Surgiram a preocupação com o ritmo desta montagem para estabelecer o jogo de tensões e equilíbrios estabelecido no desfile das configurações visuais.
O que são característicos da decupagem clássica é a utilização destes fenômenos para criação, no nível sensorial, de suportes para efeito de continuidade desejado e para manipulação exata das emoções, de acordo como grau de credibilidade que cada montagem e filme construirá junto ao espectador – chamada participação efetiva.
Surge a câmera subjetiva para dar continuidade ao olhar o protagonista ao que está acontecendo ao entorno dele – num plano, o herói ou o perseguidor observa atentamente, e no plano seguinte, a câmera assume o ponto de vista deste, mostrando aquilo que ele vê, de modo como ele vê. Temos assim uma combinação de duas técnicas - shot/reaction/shot e câmera objetiva.
Depois cria-se o plano e contra-plano para resolver-se os diálogos e dar continuidade a cena numa decupagem clara de quem fala para quem e podendo inserir mais planos fechados de quem fala e se expressa.
Cristiana Parente
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